“Segundo o que foi consolidado na experiência brasileira, quando há narração de fatos, é possível fazer juízo de veracidade ou inverdade a respeito de fatos. Quando diz respeito a ideias, opiniões, críticas, seria mais delicado realizar juízo de verdade ou falsidade, porque não seriam proposições verdadeiras ou falsas, mas mais ou menos adequadas segundo uma visão de mundo. Ainda que fosse possível estabelecer juízo de verdade sobre uma opinião, isso não caberia ao Estado ou ao Judiciário. A opinião mais adequada ou veraz decorreria do debate.” f1o1g
Com base nos próprios casos apresentados, o advogado demonstrou que uma coisa é dizer que uma candidata praticou um aborto ilícito, outra é que ela apoiaria políticas favoráveis à legalização do aborto. Da mesma forma, uma coisa é dizer que um candidato propôs a redução do salário-mínimo, que é diferente de afirmar que ele pretende estabelecer outra política pública sobre o assunto. Afirmar que um candidato é usuário de droga é diferente de dizer que ele é favorável à legalização do consumo.
Quando se misturam as duas coisas, para remover uma propaganda crítica, o debate sobre cada uma dessas políticas públicas é prejudicado. “Fatos e opiniões são modalidades diferentes, exigem regimes jurídicos diferentes, violam bens jurídicos diferentes. Quando se limita a possibilidade de expressar opiniões, limita-se a possibilidade de que a sociedade construa soluções”, completou Rodrigo Xavier.
Para Paula Schmitt, nenhuma das propagandas poderia ser censurada na campanha eleitoral, ainda que algumas das afirmações fossem exageradas. “Não acredito que uma previsão possa ser censurada. Por essência, ela pressupõe uma confabulação, uma especulação, que não tem obrigação nenhuma de se comprovar. É da essência da análise política”, afirmou a jornalista. Ao comentar especificamente a propaganda de Bolsonaro contra Lula, ela apontou uma extrapolação, na frase de que o petista iria “incentivar a mãe” a praticar o aborto.
“Entendo a emergência [da Justiça] em momento eleitoral, mas o problema é quando temos uma Justiça parcial – somos humanos e temos de itir essa fraqueza. E quando instituições inteiras são parciais majoritariamente para um lado, a solução mais segura é que não haja censura nenhuma, porque um ponto vai ser combatido por outro”, afirmou, concordando que, no caso, o ideal seria a Justiça conceder um direito de resposta, e não retirar a propaganda do ar. Mas observou que talvez não fosse do interesse de Lula apresentar um contraponto, para esclarecer que ser favorável à legalização não é o mesmo que incentivar o aborto. O interesse pode ter sido eliminar de vez a discussão, dado o risco de perda de votos entre o eleitorado pró-vida. “A Justiça está sendo usada para impedir a verdade de vir à tona”, lamentou.
Nadine Strossen concordou que nenhuma das propagandas deveria ter sido retirada da campanha eleitoral. Nos Estados Unidos, relatou, qualquer manifestação pública só é censurada se representar um perigo iminente de dano. Em ações de difamação, quando a ofensa se dirige para uma autoridade pública, sua proteção é menor, uma vez que ela se colocou no debate público e deve estar sujeita à crítica. Restrições como as implementadas pelo TSE sobre a propaganda, concordou a americana, também acabam servindo para sufocar a busca da verdade sobre o que pensam e propõem os candidatos.
“Essa restrição é necessária para preservar a democracia? Não”, disse. “Experts dizem que muito mais eficaz que supressão é mais informação. O melhor a fazer nesses casos é prevenção da disseminação de inverdades, por meio da educação e pensamento crítico para avaliar o que é dito”, completou.
Fernando Schüler colocou-se contra qualquer possibilidade de o Estado definir o que é falso e o que é verdadeiro, seja em relação a fatos ou opiniões. “Toda a história da liberdade de expressão moderna foi construída sobre a ideia de que não cabe ao estado legislar sobre a verdade”, disse, no início de sua participação.
Citando James Madison (1751-1836), político e advogado americano que formulou a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, e que garante a liberdade de expressão e religião no país, Schüler disse que fatos e opiniões costumam aparecer misturados na opinião pública. Delegar a separação dessas modalidades a juízes, a fim de que sancionem o que é falso, é um risco, dado que eles podem errar.
Para o professor, é preciso saber conviver com as falsidades. “A permissão do erro e da mentira é o preço que temos que pagar por um princípio que nos faculta a verdade”, afirmou. “Boa parte do que foi feito no Brasil nos últimas anos foram supressões, censura prévia, em nome da ideia de combater as fake news, em nome da ideia de preservar a verdade fática. E o que a gente viu no Brasil é que nosso Judiciário tem muita dificuldade de fazer essa distinção entre fato e opinião”, disse, em outro momento do debate. Lembrando a lição do filósofo e economista John Stuart Mill (1806-1873), Schüler fez uma defesa do erro no debate público. “O erro pode se mostrar verdadeiro depois. Mesmo que não seja, ele tensiona a verdade. Obriga a verdade a sair de uma zona de conforto.”
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